E, como aquelas que observaram o pobre homem, assim parecem ser as pessoas, que mais falam do que agem. Há um ditado que diz: Falar é fácil, difícil é fazer. Até hoje eu não entendo uma atitude assim. Se as pessoas não querem fazer, porque ensinam que deve ser assim? Isso deve ser a tal “hipocrisia do ser humano”, da qual ouvi falar e não entendi o que era. Relembrando esta passagem e esta história que a avó me contou, começo a entender.
Ah, vó, que pena que a senhora se foi! Quanta coisa a senhora me ensinou! Quanta coisa eu tinha ainda para aprender!
Lembra, vó, quando eu achei que estava apaixonado? Gozado! Com a senhora eu conseguia demonstrar alguns sentimentos que normalmente eu procurava esconder, talvez por vergonha, talvez porque o pai, apesar de eu sentir o seu amor, não fosse muito efusivo e eu tinha ficado igual, ou seja lá o porquê.
Certo dia, eu estava deitado na rede estendida na varanda, o olhar voltado para o céu e o pensamento para o infinito. Sem me virar, perguntei pra avó, que lia, sentada em uma poltrona próxima, Vó, o que é o amor?
Ela baixou os óculos até a ponta do nariz e, por sobre eles, olhou-me. Senti seu olhar e voltei-me para ela, notando em seu rosto uma expressão de... dúvida?! seria dúvida ou espanto?, Por que você quer saber? Alguém especial está mexendo com você?; Não sei, vó. Tem realmente uma menina da minha classe que tem me chamado a atenção, mas eu não tenho certeza se é amor... a senhora entende?... por isso queria saber...; É difícil, meu bem, explicar o que é o amor, porque amor é sentimento, é emoção, e estas coisas são impossíveis de serem traduzidas em palavras. Eu só posso te assegurar que, se for amor, você saberá.
Sentei-me na rede e, olhando a avó de frente, pedi, E não dá pra senhora ao menos tentar descrever como é? ... por favor?! A avó sorriu, fechou o livro e tirou os óculos, Você me coloca em cada situação, menino, com essas suas perguntas! Não superestime sua avó, pois ela não é uma enciclopédia e não sabe tudo; portanto, não espere respostas para todas as suas dúvidas, porque minha ignorância é muito maior que o meu conhecimento.; Eu não concordo! Acho a senhora muito inteligente. A avó mandou-me um beijo e, Bem, querido, nós não estávamos falando de mim, mas de outro assunto, a amor. Como eu disse, o amor é emoção, é sentimento. Dizem que existem várias formas de amor: o de um homem por uma mulher; o de uma mãe pelo seu filho; o de um amigo pelo outro; o de um ser humano por uma planta, por um animal, uma casa, um carro, um quadro, um livro, enfim, qualquer coisa. Eu já acho que tudo não passa de uma única espécie de amor, pois tudo isso é coisas a que queremos bem e nos despertam emoções.; Então, vó, tudo aquilo de que gostamos e nos provocam sentimento, qualquer que seja ele, é amor?; Sim, tudo. Veja você, que gosta muito de animais e encontra um lindo gatinho na rua e se enternece. Naquele momento, você o está amando, porque ele despertou em você um bom sentimento, o que não quer dizer que exista apego seu em relação a ele. O apego surge de acordo com a intensidade e a constância desse amor. Você compreendeu?
Fiquei pensativo um bom, tempo e, depois, concluí, Puxa, vó, isso é lindo! Vendo o amor por esse ângulo,a gente percebe que ele está em todo lugar, nas mínimas coisas. É algo bem próximo de nós e não como lemos nos livros, um sentimento tão forte que pensamos jamais poder senti-lo.
Eu fiquei tão empolgado com aquilo que, pulando da rede, abracei a avó, beijei-a e disse, Eu te amo muito, vó!
Mas a verdade é que, apesar de acreditar que o amor esteja nas mínimas coisas, está cada vez mais difícil de encontrá-lo no dia-a-dia. Parece que as pessoas têm vergonha de demonstrar que amam, seja lá o que for. Talvez por isso o mundo tenha tanta luta, tanta guerra, tanta violência, tanto sofrimento, tanta tristeza.
Acho que se as pessoas demonstrassem um pouco mais os seus bons sentimentos, só um pouquinho mesmo, o mundo ficaria bem melhor para todos nós e nós nos sentiríamos mais felizes.
Felizes... felicidade...
Isto me lembra uma história que a avó me contou.
Agora penso na quantidade de histórias que ouvi da avó. Quando eu era pequeno, ela me contava aquelas histórias de fadas: Cinderela, Branca de Neve e os sete anões, Os três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho, João e o pé de feijão, e tantas mais. Uma vez ouvi dizer que existe uma história para cada época de nossa vida e é por isso que num momento gostamos mais de uma do que de outra, e em outro, gostamos mais da outra do que de uma. Mas havia também as histórias que a avó contava e que eu nunca ouvi de mais ninguém, só dela. Será que ela inventava as histórias, como tinha inventado aquela do suicida? Puxa, vai ver a avó podia ter sido uma grande escritora e não foi!
A história que eu lembrei agora foi contada pela avó, porque eu tinha ida na casa de um primo muito rico, que tinha tantos brinquedos, que acabou me deixando com inveja. Todos os brinquedos que eu podia imaginar e desejar ele os tinha.
Quando eu voltei para casa, a avó percebeu que eu estava triste. O passeio na casa do seu primo não foi bom?; Foi, vó.; E por que você está triste? Apesar de não ter vontade de falar nada, ela tanto insistiu que acabei dizendo. Ela então me contou que, apesar de todos os brinquedos e de todo o dinheiro, meu primo era infeliz. Os meus tios viviam brigando e meu primo não recebia amor como eu. Os pais procuravam compensar os problemas da família com dinheiro, mas dinheiro compra tudo, menos o amor e a real felicidade. Você conhece a história do rei que quis premiar o homem mais feliz do seu reino?; Não, vó...; A história é assim...

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